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Entrevista a David Soldevila

30/03/2021
David Soldevila é arquiteto do estúdio Soldevila Soldevila Soldevila Arquitectes. Está por trás de projetos como El Celler de les Aus, uma adega construída a partir de contentores e materiais de construção reciclados integrada perfeitamente no meio.

O vosso estúdio Soldevila Soldevila Arquitectes realizou muitos projetos que vão desde obras públicas até infraestruturas utilizando critérios de ecodesign e sustentabilidade. Quais foram as estratégias concretas que utilizou durante todo o processo?

Seguramente que a resposta politicamente correta seria a de responder aos critérios estabelecidos pelos diferentes estúdios de sustentabilidade e ecodesign, com as diferentes versões como Leed, Passivhaus, Verde, entre outras. Mas o que é importante para nós é sermos defensores da viabilidade da proposta conseguindo o máximo com os recursos disponíveis. Isto tem mais a ver com o senso comum, em muitos casos converte para os parâmetros de sustentabilidade dos padrões atuais. Em ser capaz de oferecer o máximo com o mínimo necessário. Em ser capaz de criar espaços com as qualidades habitacionais máximas, porém, ao mesmo tempo, Aperfeiçoáveis, Melhoráveis, Adaptáveis, e, em alguns casos, totalmente reversíveis à origem. Estes são os princípios básicos que nos guiam na tomada de decisões, que são igualmente baseados na utilização de materiais sustentáveis, com uma pequena pegada ecológica. Mas também entendemos que os edifícios possuem diferentes escalas de aproximação à sustentabilidade. Por exemplo os edifícios residenciais: não é por serem construídos completamente em madeira que são muito melhores que um edifício construído com uma estrutura em betão. 

A partir do ponto de vista da sustentabilidade, o edifício pode ser abordado a partir de três escalas. Em primeiro lugar, o edifício é entendido como uma superestrutura para alojar as pessoas, capaz de aguentar 300 anos e com um sem-fim de adaptações a nível espacial. Em segundo lugar, a envolvente é outro elemento a tratar com diferentes parâmetros de sustentabilidade, especialmente a fachada e a cobertura. a utilização de tijolo parece cada vez menos recomendável porque numa perspetiva a longo prazo da vida útil do edifício é provável que tenhamos de assumir a capacidade da sua adaptação para futuras melhorias. Portanto, acreditamos que a escolha de materiais com uma capacidade de transformação muito melhor que o tijolo é imprescindível, sobretudo para que a adaptação e transformação do edifício não seja traumática a nível construtivo, mas mais próximas à montagem e desmontagem de peças de um automóvel, para manter e melhorar as suas prestações. Finalmente, a escala doméstica, que se adapta e reforma continuamente. É muito frequente que cada novo(s) habitante(s) transforme a cozinha, as casas de banho e em muitos casos o número de espaços habitáveis. Aqui é onde temos de ser mais didáticos junto do utilizador final, mostrando-lhe os materiais mais naturais, sustentáveis e flexíveis para que as futuras adaptações não pioram o edifício.

Em que ponto se encontra a arquitetura sustentável em Espanha? Acha que o sector da arquitetura está suficientemente consciencializado?

Acho que a nível profissional estamos cada vez estamos mais consciencializados e, portanto, na medida que podemos ir avançando. O problema está mais, seguramente, na promoção. De qualquer forma, é nosso dever como arquitetos tentar consciencializar os nossos promotores para que sejam mais conscientes da sua responsabilidade.  Promotores há muitos e muito diferentes. No primeiro nível estão as multinacionais com altas exigências de resultados a nível Leed Platinum, etc. Perseguir esta cota de sustentabilidade é muito louvável, mas, na minha opinião, as grandes intervenções onde são aplicadas estão além da escala e não fazem sentido do ponto de vista da sustentabilidade. As administrações exigem cada vez mais porque as diretrizes europeias assim o demandam, mas não dotam as promoções de recursos suficientes para ser o que deveriam ser: mais do que exemplares. Com certeza que isto acontece porque não compreendem e acreditam no que representa o dever de ser sustentáveis. A seguir estão os promotores privados. Para a maioria deles, a construção é um meio de vida, e por trás não existe uma responsabilidade social ou sobre o planeta. O que acho que não veem é que uma aposta de responsabilidade social e ambiental lhes daria ainda um maior retorno económico.

De todos os projetos que tenha levado a cabo, qual é o que considera melhor a nível ambiental?

Como acontece com a maioria dos projetos, há sempre um que ainda podia ser melhorado, e é uma arma de dupla motivação para fazer o seguinte ainda melhor. Num projeto consegues que um conceito seja capaz de ir mais além num aspeto concreto, por exemplo na questão ambiental. Noutro consegues ir mais além noutro aspeto, e no final vais expandindo as capacidades para progredir e chegar mais longe. 

Um dos projetos que mais explicamos a nível ambiental são as caves experimentais “El Celler de les Aus”, para Alta Alella no município de Alella (Barcelona). Propuseram-nos fazer uma cave muito pequena para o fabrico de vinhos experimentais, com a incerteza de que se as coisas saíssem mal, teriam de ser desmontadas. A nossa abordagem foi criar um ambiente propício para o fabrico de vinho e cave na mesma vinha. Um movimento de terras em forma de trincheira e a colocação de umas telas agrícolas criaram um ambiente de trabalho sombrio. Debaixo das telas, uns contentores frigoríficos encarregaram-se de alojar tanto os espaços de trabalho como o espaço de armazenamento. Todos os elementos utilizados, inclusive as fundações, são pré-fabricados que podem ser reutilizados. Às vezes a questão não é utilizar materiais com uma pegada ecológica muito baixa, mas entender que existem estratégias que podem ir ainda mais além.

Que papel desempenha o ciclo de vida dos materiais numa construção sustentável?

O ciclo de vida é importante. É preciso entender que somos responsáveis pela pegada deixada pelos nossos edifícios. Portanto, a escolha de materiais com um ciclo de vida controlado e fechado é imprescindível. A construção de edifícios deve ter a mínima pegada extrativa para o nosso planeta. Materiais como a madeira passaram por diante de outros que temos estando a utilizar de forma mais comum e massiva, por ser um material de pegada negativa e capaz de encapsular CO2. No momento de escolher um material é preciso ver com que base são fabricados tais elementos e privilegiar aqueles que têm uma probabilidade de reciclagem completa (recuperando as suas qualidades ao máximo) contra aqueles infra-recicláveis.

Como se consegue que a construção de projetos em zonas naturais seja amiga do ambiente e se integre no ambiente que os rodeia?

A primeira coisa que temos de ter em conta quando se insere num meio natural é a facilidade e a capacidade de desmontagem e devolver o bocado de ambiente construído à origem. Em segundo lugar, é importante dar prioridade à utilização de materiais o mais naturais possíveis. É essencial que o edifício, o espaço arquitetónico, seja capaz de sintonizar e engrandecer o lugar para o melhorar. Não serve de nada que um edifício esteja perfeitamente construído, com os materiais mais ecológicos e sustentáveis possíveis, se for incapaz de sintonizar, explicar e melhorar o ambiente onde foi construído. Por último, a finalidade da arquitetura é criar espaços habitáveis. O como e com que materiais se constrói deve responder sempre à sua essência primordial.

Que soluções naturais de drenagem da água existem? Em que ponto é necessário a instalação de soluções técnicas? 

Uma coisa que temos bem clara é que nos fixamos sempre na natureza para ir mais além. As soluções técnicas, sobretudo falando de construção e arquitetura, têm de ajudar-nos a repescá-la. A arquitetura afasta-nos da natureza para nos protegermos das suas inclemências, mas em contrapartida, as técnicas que desenvolve tentam aproximar-nos dela para aproveitar todos os seus benefícios e desfrutar das suas virtudes. Todas as técnicas que foram aparecendo são sobretudo para nos mantermos protegidos à medida que nos aproximamos dela novamente. 

Não devemos perder esta referência. A natureza deve ser o farol que nos orienta para melhorar a nossa técnica. Falando de drenagens e permeabilidade, é essencial que qualquer ocupação de terreno natural não interfira na drenagem e permeabilidade da superfície terrestre, e é importante e necessário dispor de sistemas de drenagem, recolha e condução de águas. Talvez o mais importante seria desenvolver uma técnica que nos permita ser capazes de construir superfícies contínuas mas não menos permeáveis que o seu terreno original, à medida que melhoramos a sua resistência mecânica. O mesmo deveria acontecer com os edifícios, nos quais já somos capazes de impermeabilizar a envolvente que é transpirável. Com a terra temos de fazer o mesmo e evitar impermeabilizar a superfície terrestre com as nossas cidades.

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